Termo inicial do prazo bienal. Art. 61, caput, da Lei n. 11.101/2005. Data da concessão da recuperação judicial. Termos aditivos. Irrelevância.
PROCESSO | REsp 1.853.347-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 05/05/2020, DJe 11/05/2020 |
RAMO DO DIREITO | DIREITO EMPRESARIAL, DIREITO FALIMENTAR |
TEMA | Termo inicial do prazo bienal. Art. 61, caput, da Lei n. 11.101/2005. Data da concessão da recuperação judicial. Termos aditivos. Irrelevância. |
DESTAQUE |
Nos casos em que há aditamento ao plano de recuperação judicial, o termo inicial do prazo bienal de que trata o artigo 61, caput, da Lei n. 11.101/2005 deve ser a data da concessão da recuperação judicial. |
INFORMAÇÕES DO INTEIRO TEOR |
Cinge-se a controvérsia a definir se, nos casos em que há aditamento ao plano de recuperação judicial, o termo inicial do prazo bienal de que trata o art. 61, caput, da Lei n. 11.101/2005 deve ser a data da concessão da recuperação judicial, ou a data em que foi homologado o aditivo ao plano. A Lei n. 11.101/2005 não prevê a possibilidade de que, após a aprovação do plano de recuperação judicial, sejam apresentados aditivos ou mesmo um novo plano para aprovação dos credores De fato, o art. 53 da LRF determina que o credor apresente o plano de recuperação judicial no prazo de 60 (sessenta) dias e, no caso de haver objeção de algum dos credores, que seja convocada assembleia geral de credores para deliberar a respeito de seus termos (art. 56 da LRF). É certo que, na assembleia de credores, o plano poderá sofrer modificações, fruto das negociações ali desenvolvidas, e, caso haja concordância do devedor e inexistência de diminuição unicamente dos direitos garantidos aos credores ausentes, o plano será aprovado (também podendo ocorrer sua rejeição com a decretação da quebra). E, uma vez aprovado o plano de recuperação judicial, a lei de regência não mais cuida da possibilidade de novas deliberações acerca de seu conteúdo. A LRF estabeleceu, em seu art. 61, caput, o prazo de 2 (dois) anos para o devedor permanecer em recuperação judicial, que se inicia com a concessão da recuperação judicial (art. 58 da LRF) e que se encerra com o cumprimento de todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos do termo inicial. É preciso esclarecer, desde logo, que o fato de a recuperação judicial se encerrar no prazo de 2 (dois) anos não significa que o plano não possa prever prazos mais alongados para o cumprimento das obrigações, mas, sim, que o cumprimento somente será acompanhado pelo Judiciário, pelo Ministério Público e pelo administrador judicial nessa fase, para depois estar sob a fiscalização única dos credores. Trata-se de uma presunção do legislador, como ensina a doutrina, de “que o devedor que se submeteu a todos os percalços do pedido de recuperação, que preencheu todas as exigências legais, que cumpriu suas obrigações por dois anos consecutivos, certamente terá atingido uma situação na qual deverá cumprir todas as obrigações assumidas”. Algumas situações, entretanto, não foram antevistas pelo legislador na aplicação do art. 61 da LRF, mas foram se apresentando na prática, como : (i) pode o plano de recuperação judicial prever prazo menor para o período de fiscalização e encerramento da recuperação judicial? (ii) no caso de o plano de recuperação judicial prever período de carência para o início dos pagamentos superior a 2 (dois) anos, o prazo bienal para fiscalização do cumprimento das obrigações é contado a partir do final da carência, ou da concessão da recuperação? e (iii) na hipótese de haver alteração do plano de recuperação judicial, com a apresentação de aditamentos, qual o termo inicial do prazo de fiscalização? Essa última questão é o objeto do recurso, mas, juntamente com as anteriores, traz à reflexão o motivo pelo qual o período para permanecer em recuperação judicial deve ser delimitado. O estabelecimento de um prazo de supervisão judicial agrega ao processo de recuperação um qualificativo de transparência indispensável para angariar a confiança dos credores, facilitando as negociações organizadas, o cumprimento do stay period e a aprovação dos planos de recuperação judicial. Sob essa perspectiva, era essencial que o legislador estabelecesse um prazo mínimo de efetiva fiscalização judicial da recuperação judicial, durante o qual o credor se veria confortado pela exigência do cumprimento dos requisitos para concessão da recuperação judicial e pela possibilidade direta de convolação da recuperação judicial em falência, no caso de descumprimento das obrigações (art. 61, § 1, da LRF), com a revogação da novação dos créditos (art. 61, § 2, da LRF). Por outro lado, a fixação de um prazo máximo para o encerramento da recuperação judicial também se mostra indispensável para afastar os efeitos negativos de sua perpetuação, como o aumento dos custos do processo, a dificuldade de acesso ao crédito e a judicialização das decisões que cabem aos agentes de mercado, passando o juiz a desempenhar o papel de muleta para o devedor e garante do credor. Assim, alcançado o principal objetivo do processo de recuperação judicial, que é a aprovação do plano de recuperação judicial, e encerrada a fase inicial de sua execução, quando as propostas passam a ser executadas, a empresa deve retornar à normalidade, de modo a lidar com seus credores sem intermediação. Nesse cenário, não parece possível a redução do prazo de fiscalização judicial, ainda que a previsão esteja inserida em cláusula de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores, pois contraria o art. 61 da LRF e a própria sistemática estabelecida pelo legislador. Ainda dentro dessa lógica, o termo inicial para a fiscalização deve levar em conta o início da fase de execução do plano de recuperação judicial, com a adoção de providências para o cumprimento das obrigações assumidas. No caso da apresentação de aditivos ao plano de recuperação judicial, o pressuposto é de que o plano estava sendo cumprido e, por situações que somente se mostraram depois, teve que ser modificado, o que foi admitido pelos credores. Assim, não há propriamente uma ruptura da fase de execução. Verifica-se que o fato de terem sido propostos aditamentos ao plano, inclusive novos prazos de carência, não impediu o acompanhamento judicial da fase inicial de execução do plano e o cumprimento das obrigações estabelecidas. Ao contrário, foram realizadas alienações, pagamentos, constituição de UPI, assembleias e homologação de aditivos, concluindo a juíza que as obrigações vencidas no biênio foram adimplidas. Dessa forma, não há justificativa para a modificação do termo inicial da contagem do prazo bienal do artigo 61 da LRF. Decorridos 2 (dois) anos da concessão da recuperação judicial, ela deve ser encerrada, seja pelo cumprimento das obrigações estabelecidas para esse período, seja pela eventual decretação da falência. |