Recuperação Judicial sob a ótica do STJ
Diante do atual cenário econômico do país, a recuperação judicial tem se tornado uma alternativa para muitas empresas se manterem no mercado. De acordo com Indicador Serasa Experian de Falências e Recuperações os pedidos bateram recorde neste ano de 2015, levando assim o Poder Judiciário a se debruçar sobre a matéria, gerando interpretações diversas, de modo que alguns pontos foram sedimentados pelo Superior Tribunal de Justiça.
Em linhas gerais, as principais situações apreciadas pelo STJ acerca deste tema referem-se a: (i) efeitos decorrentes da suspensão de ações e execuções quando deferido o processamento da recuperação judicial; (ii) extinção de ações e execuções após a aprovação do plano de recuperação pelos credores; (iii) repercussão da mudança da sede da sociedade recuperanda; (iv) retificação do quadro geral de credores após a homologação judicial do plano de recuperação; e (v) não submissão ao plano de créditos posteriores ao pedido de recuperação judicial.
Nessa linha, o STJ decidiu que deferido o processamento do plano de recuperação judicial haverá suspensão de ações e execuções, o que não alcança os protestos realizados em face do devedor, que continuam vigentes, eis que não foi afetado o direito creditório (REsp 1.374.259-MT, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/6/2015).
Por seu turno, a suspensão também não beneficia garantidores da sociedade, isto é, suspende-se a cobrança apenas em face da recuperanda, mas as demais execuções e ações em desfavor de avalistas, fiadores e demais garantidores continuam. A questão foi sacramentada pelo STJ quando do julgamento do Recurso Especial n.º 1333349/SP, afetado ao trâmite especial dos recursos repetitivos, em que se deliberou: “recuperação judicial do devedor principal não impede o prosseguimento das execuções nem induz suspensão ou extinção de ações ajuizadas contra terceiros devedores solidários ou coobrigados em geral, por garantia cambial, real ou fidejussória, pois não se lhes aplicam a suspensão prevista nos arts. 6º, caput, e 52, inciso III, ou a novação a que se refere o art. 59, caput, por força do que dispõe o art. 49, § 1º, todos da Lei n. 11.101/2005”.
De outra banda, a aprovação do plano de recuperação acarreta novação das obrigações firmadas com os credores, de modo que as execuções em trâmite são extintas, conquanto embasadas em negócio que foi substituído pelos termos descritos no plano de recuperação. Logo, não mais subsiste o título exequendo ou a obrigação requestada em determinada ação judicial. Foi o que restou decidido na análise do Recurso Especial n.º 1.272.697-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 2/6/2015.
Não obstante, a mudança de domicílio da sociedade em recuperação judicial, se foi oportunamente informada em juízo, mesmo sem a prévia comunicação aos credores ou data definida para se instalar a nova sede, não acarreta, de ofício, a decretação da falência por descumprimento das normas do plano, conquanto deve-se provar a má-fé do devedor e consequente objetivo de se esquivar de suas obrigações com tal ato (REsp 1.366.845-MG, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 18/6/2015).
Em outra linha, também delimitou o STJ acerca da possibilidade de se retificar o quadro geral de credores mesmo que tenha ocorrido a homologação do plano de recuperação judicial e desde que tal decorra do julgamento de impugnação. Como é sabido, existem duas fases paralelas e distintas ao longo do rito especial da recuperação, que avaliam os créditos a serem incluídos no plano: A primeira refere-se à verificação e habilitação de crédito que se dá extrajudicialmente, via administrador judicial; a segunda reporta-se à deliberação e aprovação do plano. Nessa toada, como são fases diferentes e não condicionadas é possível que se homologue o plano sem a sedimentação do quadro de credores, especialmente porque as impugnações, com particularidade definidas pela Lei n.º 11.101/05, demandam certo tempo para apreciação final. Logo, no entendimento do STJ(REsp 1.371.427-RJ, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 6/8/2015) não seria legítimo que a homologação do plano se tornasse um entrave à consolidação do quadro geral de credores, permitindo-se, assim, a retificação ulterior.
Ademais, os créditos constituídos após o pedido de recuperação não se submetem ao plano, que se restringe a obrigações anteriores à data do pleito, o que significa dizer que não sofrerão nenhum dos efeitos decorrentes da recuperação judicial, como suspensão de ações e execuções ou posterior novação após homologação do plano (REsp 1.298.670-MS, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 21/5/2015). Entretanto, importante observar que se tal crédito foi assumido sem a finalidade de viabilizar a continuidade da recuperanda, eventuais atos de constrição patrimonial no curso da demanda que venha a ser proposta por este credor se submete ao controle do juízo em que tramita a recuperação judicial.
De modo geral, estes foram os principais pontos até então apreciados pelo STJ, contudo, dada a crescente demanda por recuperação judicial, certamente outros temas serão objeto de regulamentação pela Corte, que cumpre seu papel constitucional de uniformização de jurisprudência e guardiã da observância de leis federais.
Aline Mirna Barros Vieira,
Advogada, especialista em Recuperação Judicial e Falências
21 de jun de 2016