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TJSC. Saiba como a doutrina e os tribunais têm interpretado o ‘cram down’

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TJSC. Saiba como a doutrina e os tribunais têm interpretado o ‘cram down’

Sobre o assunto, explica Fábio Tokars:

A essência de um processo de recuperação judicial é conhecida: um empresário em situação de crise econômico-financeira elabora um plano de recuperação, que será sujeito à análise dos credores. O objetivo da lei também é claro: preservar empresas economicamente viáveis, mas prejudicadas pela insolvência momentânea. Mas este objetivo pode ser frustrado se (entre outras hipóteses) um credor relevante se opuser ao plano de recuperação. Se houver a rejeição, por alguma das três classes de credores (titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, titulares de crédito com garantia real e titulares dos demais créditos abrangidos na recuperação), a recuperação judicial se transforma em falência, e a empresa será encerrada para que se proceda à sua liquidação.

Para evitar uma oposição injustificada de credor relevante (vale lembrar que o quorum de aprovação não é dos mais simples de ser compreendido: deve-se obter o voto da maioria, por cabeça e por valor de crédito, a não ser na categoria dos credores de obrigações trabalhistas e derivadas de acidente de trabalho, em que a maioria é calculada apenas por cabeça), desenvolveu-se no direito norte-americano o instituto do cram down (em tradução livre: empurrar goela abaixo). Autoriza-se o juiz a aprovar o plano rejeitado por alguma classe de credores, desde que se verifique a viabilidade econômica daquele plano e a necessidade de se tutelar o interesse social vinculado à preservação da empresa. Na contraposição entre o interesse público e o particular, protege-se o que efetivamente deve ser protegido.
No Brasil, a Lei 11.101/2005 aparentemente contém um instituto próximo ao cram down. De acordo com o § 1.º do art. 58, “o juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa: I o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes; II a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a
aprovação de pelo menos 1 (uma) delas; III na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1.º e 2.º do art. 45 desta Lei.” A regra é complementada pelo § 2.º: “A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1.º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.”
Muito se elogiou o espírito do legislador, que teria atentado mais uma vez para a preponderância do interesse social. Mas a louvação dos textos teóricos não encontra qualquer reflexo na prática. E não é por acaso. A ideia deveria ser simples: quando não se obtém a aprovação, o juiz deveria poder forçar a aplicação do plano, desde que estivesse clara a necessidade de tutelar o interesse social, de alguma forma prejudicado pela vontade de um ou alguns dos credores. Contudo, as limitações impostas pela lei, além de nos forçar a rememorar as lições de matemática, praticamente inviabilizam a aplicação do instituto. A decisão que se sobrepõe à reprovação do plano não se funda no interesse social, mas sim na verificação de uma espécie de quorum alternativo de deliberação. E um quorum alternativo que está muito próximo ao necessário para a aprovação. Afinal, é necessário que, cumulativamente: a) tenha ocorrido a aprovação geral (não mais por classes) da maioria dos credores (maioria calculada agora pelo valor dos créditos); b) a rejeição tenha ocorrido apenas em uma das classes; c) na classe em que houve a rejeição, deve ter ocorrido a aprovação de mais de um terço dos credores; e d) não haja tratamento diferenciado entre a classe dos credores que rejeitaram o plano e a dos demais credores. Quando se consegue verificar esta conjugação de fatores? Quase nunca. Tudo somado, subtraído, multiplicado e dividido, cria-se um belo problema de matemática para a quinta série. Mas, no plano jurídico, a proteção do interesse social por meio do cram down não passa de retórica legislativa. (extraído do site: http://por-leitores.jusbrasil.com.br/noticias/2508142/as-limitacoes-de-aplicacao-do-cram-down-nas-recuperacoes-judiciais-brasileiras).

Assim, seja pelo abuso de direito de voto do credor agravado, ora reconhecido, seja pela adoção do espírito do craw down na sua vertente originária norte-americana, pode o magistrado, mediante interpretação sistemática das regras positivadas e dos princípios norteadores da recuperação judicial, concedê-la contra decisão assemblear.

Aplicáveis à espécie:

1) TJSP, Agravo de Instrumento n. 2089041-22.2015.8.26.0000, de Ribeirão Preto, rel. Des. Ricardo Negrão, Segunda Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 02.12.2015:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Recuperação Judicial – Cram down – Inobservância do quórum em razão do voto contrário de um credor, detentor da maior parte dos créditos sujeitos ao concurso na classe quirografária – Decisão de concessão pautada na abusividade do voto de rejeição – Admissibilidade – Ausência de tratamento diferenciado entre os credores, ilegalidade ou afronta ao sistema de validade dos negócios jurídicos que justifique o pedido de quebra – Decisão de concessão da recuperação judicial mantida – Recurso não provido.

2) TJSP, Agravo de Instrumento n. 2050098-67.2014.8.26.0000, de São José dos Campos, rel. Des. Ramon Mateo Júnior, Segunda Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 16.03.2015:
Agravo de Instrumento. Plano de Recuperação Judicial – Cram Down – O Magistrado está excepcionalmente autorizado a relativizar os requisitos e conceder a recuperação judicial, quando a maioria dos credores sinaliza nesse sentido – Princípio da preservação da empresa que se sobressai aos interesses econômicos das instituições financeiras Garantia da manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, sua função social e o estímulo à atividade econômica Agravo Desprovido. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Pedido de convolação em falência, em virtude da rejeição do plano de recuperação pela maioria qualitativa dos credores quirografários, única classe de credores quirografários a deliberar. Cinco credores financeiros que se opuseram ao plano, em detrimento de outros quinze credores que o aprovaram. Descumprimento do quórum supletivo (cram down) previsto no art. 58, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. Moderno entendimento dos tribunais no sentido de que cabe ao juiz intervir em situações excepcionais, quer para anular, quer para deferir planos de recuperação judicial. Ausente qualquer justificativa objetiva para rejeição do plano de recuperação, com a ressalva de que os créditos financeiros são dotados de garantias pessoais dos sócios, que se encontram executados em vias próprias. Concordância do Administrador Judicial e dos representantes do Ministério Público em ambas as instancias com a homologação do plano. Constatação de que os credores que rejeitaram o plano agiram em abuso de direito, na forma do artigo 187 do Código Civil. Rejeição de caráter ilícito, devendo prevalecer o princípio da preservação da empresa. Decisão mantida. Recurso não provido.

3) TJSP, Agravo de Instrumento n. 2044822-55.2014.8.26.0000, de Campinas, rel. Des. Enio Zuliani, Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 03.07.2014:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – Plano de recuperação homologado com base na teoria do Direito Anglo Saxônico denominada cram down, tendo em vista que a classe que rejeitou o plano era composta de um único credor, no caso, o Banco do Brasil. Admissibilidade – Submissão deste credor com garantia real ao plano, consequência natural da decisão em questão, com o pagamento da dívida na forma como aprovado pela AGC. […] Não provimento.

4) TJSC, Agravo de Instrumento n. 2012.011858-6, de Brusque, rel. Des. Paulo Roberto Camargo Costa, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 18.04.2013:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL CONVOLADA EM FALÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA QUE, CONSIDERANDO VÁLIDOS OS VOTOS DOS CREDORES COM GARANTIA REAL, REJEITOU O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E CONVOLOU O PEDIDO EM FALÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. […]
IV – A renitente insistência de credora com garantia real, em ver decretada a falência do devedor repercute como utilização do procedimento de execução coletiva como sucedâneo de cobrança individual, procedimento que deve ser repelido, “ainda que detenha título executivo protestado e tenha esgotado todos os meios suasórios para ver implementado seu crédito” (TJSC, Apelação Cível n. 00.023461-3, de Criciúma, Rel. Des. Trindade dos Santos).
Isso porque, esse posicionamento revela-se desarrazoado, pois leva ao prejuízo credores que não têm seus créditos protegidos, e cria condições de lançar a empresa, e seus empregados, às nefastas conseqüências da falência, proceder, portanto, que se afasta totalmente da noção de razoabilidade, o que leva a não se proceder a análise do fato concreto tão só “sob o prisma do direito intertemporal mera e simplesmente, mas pela ótica da nova ordem constitucional”, que, pelos arts. 170, I, e 174, “consagra a proteção à preservação da empresa por duas razões basilares: (i) é meio de preservação da sua função social, ou seja, do papel sócio-econômico que ela desempenha junto à sociedade em termos de fonte de riquezas e como ente promovedor de empregos. Assim, o princípio da preservação da empresa cumpre a norma maior, refletindo, por conseguinte, a vontade do poder constituinte originário” (STJ, REsp 1023172/SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão).
V – No exame do plano de recuperação judicial o Juiz deve fazer prevalecer o interesse público sobre o interesse individual dos credores, tendo sempre presente o princípio básico da Lei de Recuperação de Empresas e Falência, e seu escopo, que é a preservação da empresa, especialmente diante dos interesses que giram em torno dela, pelo que é de ser reiteradamente repisado, se necessário à exaustão, o contido no art. 47 da Lei n. 11.101/2005.
Norteado de que, como destacado pela Doutrina de Rachel Sztajn, a “função social da empresa presente na redação do artigo, indica, ainda, visão atual referentemente à organização empresarial, cuja existência está estribada na atuação responsável no domínio econômico, não para cumprir as obrigações típicas do Estado nem substituí-lo, mas sim no sentido de que, socialmente, sua existência deve ser balizada pela criação de postos de trabalho, respeito ao meio-ambiente e à coletividade e, nesse sentido é que se busca preservá-la. Ao se referir a estímulo à atividade econômica, está implícito o reconhecimento de que a empresa é uma das fontes geradoras de bem-estar social e que, na cadeia produtiva, o desaparecimento de qualquer dos elos pode afetar a oferta de bens e serviços, assim como a de empregos, por conta do efeito multiplicador da economia”.

5) TJRS, Agravo de Instrumento n. 70048398374, de Venâcio Aires, rel. Desa. Isabel Dias Almeida, Quinta Câmara Cível, j. 27.06.2012:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. “CRAM DOWN”. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
Decisão que tem por finalidade assegurar a possibilidade de superação da situação de crise econômico-financeira da agravada, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Manutenção da decisão recorrida.
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.

6) TJRS, Agravo de Instrumento n. 70045411832, de Porto Alegre, rel. Des. Romeu Marques Ribeiro Filho, Quinta Câmara Cível, j. 29.02.2012:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO APROVADO POR DUAS CLASSES DE CREDORES. APLICAÇÃO DO INSTITUTO DO CRAM DOWN. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.

Íntegra do acórdão:

Processo: 2015.045438-8 (Acórdão)
Relator: Ronaldo Moritz Martins da Silva
Origem: Joinville
Orgão Julgador: Terceira Câmara de Direito Comercial
Julgado em: 18/02/2016
Juiz Prolator: Viviane Isabel Daniel Speck de Souza
Classe: Agravo de Instrumento

Agravo de Instrumento n. 2015.045438-8, de Joinville
Relator: Des. Ronaldo Moritz Martins da Silva
Agravo de instrumento. Recuperação judicial. Plano aprovado pela maioria dos credores trabalhistas e quirografários (classes I e III do artigo 41 da Lei n. 11.101/2005) e rejeitado por credor majoritário com garantia real (classe II). Não cumprimento da regra inserta no artigo 45 da referida legislação, que exige o acolhimento da proposta por todas as classes. Decisão agravada que decretou a falência das empresas (art. 56, § 4º). Insurgência das recuperandas. Alegado abuso de direito de voto por parte do banco agravado, detentor de 71% dos créditos da classe II, que inviabilizou a aprovação do plano pelo quorum alternativo disposto no art. 58, § 1º, da LRF. Impossibilidade, em tese, de interferência judicial na deliberação da assembleia geral (autonomia de vontade). Ausência, no entanto, de motivação satisfatória e plausível apresentada pelo recorrido que demonstrasse prejuízo considerável à sua própria atividade bancária. Posição individualista que não justifica o repúdio às condições fixadas pelas recuperandas. Princípio da preservação da empresa, com manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos demais credores, que deve prevalecer. Abuso de direito, de fato, evidenciado que, com a inspiração do instituto do craw down na sua vertente originária norte-americana, permite o controle de legalidade da decisão assemblear. Posicionamento amparado nos Enunciados ns. 44 e 45 da I Jornada de Direito Comercial CJF/STJ e na jurisprudência dos Tribunais. Preenchimento, ademais, do outro requisito descrito no § 2º do art. 58 (par conditio creditorium) para concessão pelo juiz da recuperação. Viabilidade de subsistência das empresas agravantes no mercado demonstrada. Decisum impugnado reformado. Reclamo provido.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento n. 2015.045438-8, da comarca de Joinville (6ª Vara Cível), em que é agravante Metalurgica Duque S/A (em Recuperação Judicial) e outro, e agravado Itaú Unibanco S/A:
A Terceira Câmara de Direito Comercial decidiu, à unanimidade, conhecer e dar provimento ao recurso, nos termos do voto do relator. Custas legais.
O julgamento, realizado nesta data, foi presidido pelo Excelentíssimo Senhor Desembargador Tulio Pinheiro, com voto, e dele participou o Excelentíssimo Senhor Desembargador Volnei Celso Tomazini.
Florianópolis, 18 de fevereiro de 2016.
Ronaldo Moritz Martins da Silva
Relator

RELATÓRIO
Trata-se de agravo de instrumento interposto pela Metalúrgica Duque S/A. “em Recuperação Judicial” e MH Administração e Participações Ltda. “em Recuperação Judicial”, sendo agravado Itaú Unibanco S/A, relativamente à decisão proferida pela MMa. Juíza de Direito da 6ª Vara Cível da comarca de Joinville que, nos autos da “recuperação judicial” (processo n. 0004041-62.2014.8.24.0038) por elas proposta, decretou a falência das empresas, nos termos dos artigos 56, § 4º, 73, inciso III, e 99, todos da Lei n. 11.101/2005, nomeou Administrador Judicial, e determinou, dentre outras providências, a imediata suspensão das atividades das falidas, lacração dos estabelecimentos e a arrecadação dos seus bens, documentos e livros (fls. 58/90).
Alegaram as recorrentes, em síntese, que 1) em 14.02.2014, tiverem o processamento da recuperação judicial deferido; 2) em virtude de algumas divergências e solicitações dos credores, apresentaram, em 08.05.2014, dois Aditivos, modificando a forma de pagamento à real capacidade do Grupo Duque; 3) “a Assembleia Geral de Credores da Recuperação Judicial do Grupo Duque, em 2ª convocação, deliberou pela aprovação do Plano de Recuperação das postulantes nas categorias de credores trabalhistas (89,34%) e quirografários (72,92%), conforme se observada na Ata” (fl. 07); 4) no entanto, não logrou êxito na obtenção da maioria na categoria dos credores com garantia real (classe II), tendo em vista que o banco agravado, “absolutamente intransigente nas negociações e atuando de forma temerária para obter privilégios inadmissíveis para corrigir seus erros do passado em detrimento da coletividade, detém montante superior a 71% (setenta e um por cento) do total de credores desta classe, se considerados os créditos com as duas recuperandas […]” (fl. 07); 5) em virtude do manifesto abuso de voto do credor, ora recorrido, apresentaram, em 05.12.2014, pedido de aprovação com base no cram down, o que não foi acatado pela magistrada singular, que convolou a recuperação judicial em falência; 6) o direito de voto atribuído aos credores não é absoluto, podendo o magistrado divergir à luz dos princípios regentes da legislação e da teoria dos negócios jurídicos; 7) não pode a vontade individual de um dos credores exceder os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, conforme estabelecem os artigo 166, II e VII, e 187 do Código Civil, sobrepondo-se à vontade da coletividade; 8) para o deferimento do plano de recuperação, utilizando-se do cram down, necessária uma interpretação ampla do artigo 58, § 1º, da Lei 11.101/2005, pois “o requisito do inciso III (voto favorável de 1/3 dos credores da classe que houver rejeitado) tornou-se ineficaz e inexigível, na medida em que o Itaú detém crédito com garantia real no importe de R$ 22.513.355,30 do total de R$ 35.085.526,96 da categoria […] devendo, nesse caso, sobretudo, prevalecer a noção de abuso de direito” (fl. 16); 9) a empresa Duque possui hoje viabilidade econômica e mercadológica para prosperar, pois, apesar de o resultado ser deficitário para fins contábeis, isso não implica em efeito-caixa prejudicial, tanto que, “em cinco meses de operação, a empresa teve 1000% (mil por cento) de avanço nas receitas, atingindo, em fevereiro de 2015, o patamar de R$ 1.027.623,60” (fl. 19); 10) “esse avanço, atrelado a novas contratações de empregados, manutenção de empregos e relações comerciais, garante, a luz do artigo 47 da Lei de Recuperação de Empresa, o cumprimento das funções sociais da recuperanda, diferentemente do alegado pelo Ministério Público e coadunado pela Juíza” (fl. 19); 11) a queda da produtividade e, consequentemente, da receita ocorreu por não poder dar ao mercado a credibilidade que se esperava com a homologação do plano de recuperação judicial.
Requereram a concessão de efeito suspensivo (fl. 26), o que foi deferido (fls. 101/106), e, ao final, o provimento do reclamo, “para determinar a homologação do plano de recuperação judicial, em vista do comprovado abuso de direito de voto do Banco Itaú, com fundamento no Instituto do Cram down, e a consequente continuidade das atividades empresariais da recuperanda e de seu processo de recuperação, tendo em visa a sua comprovada viabilidade” (fl. 26).
Intimado (fl. 108), o recorrido apresentou contrarrazões, arguindo, preliminarmente, a ausência de indicação e das procurações outorgadas aos advogados dos agravados/credores, peças obrigatórias no agravo de instrumento (fls. 111/152).
O Ministério Público, por meio de parecer da lavra da Dra. Eliana Volcato Nunes, insigne Procuradora de Justiça, opinou pelo conhecimento e provimento do recurso, “a fim de reformar a decisão vergastada, reconhecendo, dessa forma, o abuso de direito do voto do Itaú Unibanco S/A e aplicando o Instituto do ‘Cram Down’ com vistas a homologar o plano de recuperação judicial das agravantes e, consequentemente, dar continuidade nas suas atividades empresariais, deixando, todavia, de se manifestar a respeito do mérito, por não vislumbrar interesse público” (fls. 365/369).
Esse é o relatório.
VOTO
O recurso é tempestivo (fls. 02 e 95) e o preparo foi devidamente efetuado (fl. 98).
Inicialmente, afasta-se a prefacial de inexistência de documento obrigatório do reclamo (procuração dos agravados), sustentada em contrarrazões, tendo em vista que o procedimento de recuperação judicial é de jurisdição voluntária, figurando os credores das empresas recuperandas tão somente como interessados.
Além disso, os instrumentos de mandato devem instruir este tipo de reclamo, para possibilitar a intimação do recorrido, na pessoa do seu procurador, a fim de apresentar defesa. Anote-se que o Itaú Unibanco ofereceu resposta, afastando, assim, também por esse motivo, qualquer irregularidade.
Extrai-se dos autos que, em 03.02.2014, Metalúrgica Duque S/A e MH – Administração e Participações Ltda. requereram a concessão de recuperação judicial, com fulcro nos artigos 47 e seguintes da Lei n. 11.101/2005 (fls. 358/393).
Em 14.02.2014, foi deferido o pedido de processamento da recuperação, nomeado administrador judicial, determinada a suspensão de todas as ações/execuções movidas em face das devedoras, pelo prazo de 180 dias, bem como a habilitação dos credores, após 15 dias da publicação de edital (fls. 400/409).
As postulantes apresentaram plano de recuperação (fls. 496/539 e 540/575) e seus aditivos (fls. 576/598 e 599/650).
Na Assembleia Geral de Credores, realizada em 03.12.2014 (fls. 651/670), foi votado e rejeitado o referido plano.
As recuperandas, sustentando abuso de direito de voto do Itaú Unibanco S/A, ora recorrido, “detentor de montante superior a 71% dos créditos com garantia real”, requereram a aplicação do cram down (fl. 741/760).
Após manifestação do banco agravado (fls. 214/232), do administrador judicial (fls. 199/212) e do parquet (fls. 193/197), a magistrada singular proferiu o decisum, ora combatido, nos seguintes termos:
[…] 2. Do abuso do direito de voto pelo credor ITAÚ UNIBANCO S.A.
Conforme relatado, a recuperanda sustentou que o credor ITAÚ UNIBANCO S.A. exerceu seu direito de voto de maneira abusiva.
[…] são requisitos para a caracterização do abuso de direito: 1) o exercício de um direito; 2) que tal exercício ofenda a finalidade econômica e social, a boa-fé ou os bons costumes; 3) que haja um dano a outrem; 4) que haja nexo causal entre o dano e o exercício anormal do direito” (A teoria do abuso de direito no direito civil constitucional: novos paradigmas para os contratos. NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade (org.). Doutrinas essenciais: responsabilidade civil. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v. 1: teoria geral. p. 693).
Relativamente aos itens “1”, “3” e “4” acima, são desnecessárias maiores considerações, dado que é evidente que o credor ITAÚ UNIBANCO S.A., ao votar, exerceu um direito que contribuirá para a decretação da quebra da empresa (dano), havendo nítido nexo de causalidade entre um e outro.
O que se deve perquirir é se a atitude do ITAÚ UNIBANCO S.A., de alguma forma, ofende a finalidade econômica e social, a boa-fé ou os bons costumes, o que permitirá enquadrar seu ato como exercício regular de direito também capaz de acarretar danos a outrem, porém legitimamente, ou abuso de direito, sobretudo porque “não se pode aplicar essa Teoria indiscriminadamente a todos os casos em que haja excesso no exercício de um direito, pois possui requisitos próprios que deverão ser sempre analisados, sob pena de desvirtuamento do instituto” (LUNARDI, Fabrício Castagna. Op. cit., p. 693).
Examino, inicialmente, a finalidade econômica e social, que, na espécie, deve vir atrelada ao princípio da preservação da empresa previsto no art. 47 da Lei n. 11.101/2005. A propósito, tal assim dispositivo estabelece:
“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”
Com efeito, se o dispositivo acima estabelece como objetivo da recuperação judicial a garantia da manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo a preservação da empresa, atribuiu obrigação diversa ao julgador. Ora, não se pode falar em manutenção da fonte produtora e em preservação da empresa sem tratar da sua viabilidade. Somente uma empresa que consiga respirar, conseguirá sobreviver; e conseguir respirar, no caso concreto, significa ser capaz de custear sua existência.
Ao obter o deferimento da recuperação judicial, a empresa em dificuldades alcança uma oportunidade para reorganizar-se, contando, sobretudo, com a moratória que a recuperação inevitavelmente impõe e com a possibilidade de negociar seus débitos obtendo deságio e prazos que lhe sejam mais favoráveis. Em contrapartida, desfrutando dessas condições mais favoráveis, deverá manter em ordem e saudável sua atividade econômica durante o processamento do feito, demonstrando gestão adequada e continuando a gerar receita e empregos, além, evidentemente, de cumprir com suas obrigações tributárias.
Se por um lado a empresa em recuperação fica protegida, por 180 dias ou mais (como é o caso dos autos) da cobrança de seus credores; por outro, deverá demonstrar que, não fossem as dívidas pretéritas (e que agora se submetem à recuperação judicial), conseguiria arcar com os custos decorrentes de sua atividade produtiva, gerando lucro.
A recuperação judicial se destina a garantir que a empresa em crise financeira tenha um futuro. Futuro só terá aquela que conseguir se manter. Os números indicados pelo Administrador Judicial, no entanto, não mostram que as devedoras conseguirão se manter por muito tempo, haja vista o passivo extraconcursal que geraram no ano de 2014 (R$ 47.000.000,00), o qual, em algum momento deverá se resgatado.
[…] Estando a viabilidade da empresa umbilicalmente ligada à sua preservação, daquela dependendo esta, o princípio da preservação da empresa não encontra lugar para aplicação no caso concreto. Do mesmo modo, a função social da empresa, pilar imponente para a recuperação judicial, cede quando não há elementos concretos de que ela efetivamente realizar-se-á.
[…] Relevante destacar que, por vezes, a recuperação é forma de garantir menores prejuízos financeiros e sociais. Contudo, em outras ocasiões, é a falência que minimiza tais perdas. Aliás, em algumas hipóteses, a quebra é menos prejudicial à sociedade do que a permissão de sobrevida de uma empresa cuja saúde financeira definha a cada mês diante do crescente endividamento e da descapitalização, essa reconhecida pelas autoras (fls. 3295-6), sob pena de os prejuízos à sociedade serem potencializados. Nesta circunstância, ao invés de produzir riqueza, gerará mais dívidas.
[…] As considerações acima deixam claro que o voto do ITAÚ UNIBANCO S.A. pela rejeição do plano não importou em violação da finalidade econômica e social que caracterizariam o abuso de direito, uma vez que aquela sucumbiu não diante do voto do referido credor, mas diante da realidade das empresas recuperandas.
O art. 187 do Código Civil também considera que há abuso de direito quando o ato praticado excede manifestamente os limites impostos pela boa fé.
No plano de recuperação judicial, as condições previstas para o pagamento do crédito do ITAÚ UNIBANCO S.A. foram as seguintes: 1) carência de 20 meses para pagamento do principal e de juros, a partir da data da eventual homologação; 2) correção da dívida pela variação da TR mais 6% ao ano a partir do pedido de recuperação judicial; 3) pagamento em oito parcelas anuais e proporcionais a cada credor a partir do período estabelecido de carência; 4) depósito em uma conta caução (Escrow Account) de todo excedente de caixa apurado trimestralmente, previsto nas projeções financeiras, a fim de garantir o pagamento anual das parcelas aos credores.
Ou seja, aprovado o plano de recuperação judicial, o ITAÚ UNIBANCO S.A. levará cerca de dez anos para receber a integralidade do seu crédito, considerando a carência de 20 meses e o pagamento em oito parcelas anuais.
De outro lado, decretada a falência, a situação do referido credor será bem diversa. Como credor com garantia real, o ITAÚ UNIBANCO S.A. ocupa a segunda classe na ordem de preferência para pagamento de credores, estando atrás, apenas, dos créditos trabalhistas de até 150 salários-mínimos por credor e dos créditos decorrentes de acidente do trabalho, conforme regra do art. 83 da Lei n. 11.101/2005.
Tal cenário legal revela que, ainda que considerados os percalços decorrentes da falência, a aprovação do plano de recuperação judicial é bastante prejudicial ao ITAÚ UNIBANCO S.A..
Aliado a isso, constou do plano, também, que o imóvel hipotecado (pelo valor de R$ 19.200.000,00 fls. 2253-4) em favor do ITAÚ UNIBANCO S.A. que possui área total de 210.810,50m² (matrícula n. 54.524), comporta o parque fabril da empresa e está avaliado em R$ 65.920.000,00 será desmembrado, sendo que a parcela menor que resultar da divisão 17% da área total do terreno, com cerca de 36.618m² e sobre o qual existe um galpão industrial com 10.368m² foi avaliado em R$ 16.700.000,00 e será alienada. O valor obtido com a venda, por sua vez, será depositado em juízo, para utilização da seguinte forma: 70% será destinado ao pagamento de créditos trabalhistas e o remanescente (30%) será utilizado para amortizar a dívida com o ITAÚ UNIBANCO S.A. (credor com garantia hipotecária) (fls. 2253-4).
Nessa direção, ainda que a hipoteca em favor do ITAÚ UNIBANCO S.A. permaneça sobre a parcela maior do imóvel após o desmembramento (matrícula n. 54.524), não há dúvida alguma, bastando raciocínio lógico, que o bem perderá valor, o que acaba, inevitavelmente, por ferir a garantia, sobretudo porque o imóvel a ser vendido estará encravado e terá acesso pela porção remanescente hipotecada.
Não há, portanto, que se falar que o ITAÚ UNIBANCO S.A. tenha agido de maneira desleal, injustificada, violando deveres de colaboração mútua (que aqui custará a espera de anos para receber seu crédito) ou de qualquer outro modo que viesse a configurar má-fé.
Por fim, o voto do ITAÚ UNIBANCO S.A. igualmente não violou os bons costumes, sendo desnecessárias maiores considerações a respeito.
Não se pode desconsiderar, ainda, que o art. 38 da Lei n. 11.101/2005 estabelece que o voto do credor será proporcional ao valor do seu crédito. No entanto, a mesma norma prevê que, no tocante às deliberações sobre o plano de recuperação, a sua aprovação depende de maioria simples dos credores da classe trabalhista presentes, independente do montante do crédito. Resta claro, portanto, que o legislador quis dar ao voto dos credores com garantia real e quirografários o peso equivalente ao valor de seus créditos. Assim, o argumento de que o voto de um credor deve ser desconsiderado porque, em razão de seu alto valor, exerce forte poder decisório no resultado final da votação contraria frontalmente a regra legal. Aliás, a vontade do legislador foi manifestada de forma muito clara pois destinou um artigo especificamente para estabelecer que o voto do credor será proporcional ao valor do seu crédito e deixou igualmente esclarecida a única exceção à regra. Entender de modo diverso e acolher a tese das recuperandas para desconsiderar o voto do credor ITAÚ UNIBANCO S.A., significaria criar exceção que a lei não criou, o que, evidentemente, não é o papel do Poder Judiciário.
Aliás, as recuperandas argumentam que decidir pela não aprovação, no caso concreto, significa considerar o voto do ITAÚ UNIBANCO S.A. mais importante do que o de todos os demais credores. Na verdade, o inverso é que se verifica. Desprezar o voto do ITAÚ UNIBANCO S.A. equivale a considerar seu voto menos importante dos que o dos demais credores, em flagrante desrespeito ao direito de voto que a lei atribuiu a cada credor.
Assim, à míngua de prova em sentido contrário, não se identificou no voto do ITAÚ UNIBANCO S.A. interesse externo a motivar sua escolha, mas, unicamente, o seu inerente e natural intento de receber seu crédito da melhor e mais rápida forma possível, conduta que não pode ser punida.
[…] Nesse contexto, não pode o juiz, valendo-se de argumentos retóricos sem critérios objetivos ou base probatória desconsiderar o voto de quaisquer dos credores.
Feitas as considerações precedentes, afasta-se a tese de abuso do direito de voto.
[…] 3. Da possibilidade de aprovação do plano rejeitado em assembleia-geral de credores (cram down).
As recuperandas sustentam a possibilidade de aprovação do plano por esta magistrada, invocando, para tanto, o instituto do cram down.
[…] No Brasil, a Lei n. 11.101/2005 estabeleceu os requisitos para que o plano de recuperação apresentado, mesmo rejeitado em assembleia-geral de credores, possa ser aprovado pelo juiz. Dentre as exigências legais, no entanto, não estão a fair and equitable e a feasible.
Repita-se, o instituto americano do cram down permite que o juiz aprove o plano rejeitado em assembleia quando ele se revelar justo, equitativo e viável. A norma brasileira, no entanto, permite tal interferência apenas quando cumpridos os requisitos do art. 58, § 1º, da Lei n. 11.101/2005, dentre os quais não se encontram tais exigências.
No caso dos autos, a exigência contida no inciso III do dispositivo legal acima transcrito não foi atendida. Segundo referido dispositivo legal, o plano poderá ser aprovado quando, embora rejeitado em assembleia, tenha obtido, cumulativamente: a) o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes; b) a aprovação de duas das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente duas classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos uma delas; c) na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 da Lei n. 11.101/2005.
Contudo, na classe dos credores com garantia real, que rejeitou o plano, a proposta não alcançou a aprovação de mais de 1/3 dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 da Lei de Falências, uma vez que, na votação por créditos, a aprovação foi de 27,12% e não 33,33% como exige a lei.
Ressalte-se que a possibilidade de aprovação, pelo juiz, do plano rejeitado em assembleia é absolutamente legalista e hermética, não permitindo que o Judiciário a conceda quando não cumpridas as exigências legais.
[…] Logo, impossível a aprovação do plano com base na previsão do art. 58, § 1º, da Lei n. 11.101/2005, ou do cram down brasileiro, como preferem alguns, à míngua de atendimento dos requisitos legais.
4. Das consequências da rejeição do plano pela assembleia-geral de credores
É bem verdade que a Lei n. 11.101/2005, que substituiu o Decreto-lei n. 7.661/45, transformou, também, a filosofia subjacente à norma, dando à recuperação não um caráter de “favor legal” concedido ao empresário em crise financeira, como era o caso da concordata, mas um cariz de resultado de negociação entre credor e devedor, ambos em busca da satisfação de seus intentos próprios.
No entanto, não se pode confundir tal condição da recuperação com um direito subjetivo da empresa em dificuldades financeiras. Não há qualquer garantia para que a empresa devedora tenha, a qualquer preço e em quaisquer circunstâncias, a aprovação do plano mesmo sem obter sucesso na assembleia, não se podendo descurar da natureza contratual da aprovação do plano.
[…] No caso concreto, a realidade que se revelou indica que a providência mais adequada e menos danosa é a imediata suspensão das atividades das devedoras. A medida, não obstante possa parecer radical, se revela apropriada ao caso concreto, uma vez que a continuidade das atividades não tem se mostrado financeiramente positiva, sobretudo diante do incontrolável crescimento do crédito extraconcursal, que alcançou o montante de R$ 47.000.000,00 no ano de 2014, conforme apontado pelo Administrador Judicial à fl. 3421 e indicado no relatório apresentado pelas falidas à fl. 3430. O panorama que se apresenta é que, mantendo-se em atividade, as autoras geram um vultoso débito, de modo que sua paralisação significará uma medida mais eficaz para permitir o pagamento da dívida existente.
Ante o exposto, na data de hoje, às 18 horas:
1. DECRETO, nos termos dos arts. 73, inciso III, 56, § 4º e 99, todos da Lei n. 11.101/2005, a falência das empresas […]. (fls. 58/90).
Registra-se, inicialmente, a diferenciada qualidade do decisum da lavra da conceituada juíza de Direito, Dra. Viviane Isabel Daniel Speck de Souza.
Após salientar a posição de vários estudiosos do Direito Falimentar, o professor Manoel Justino Bezerra Filho ensina:
A transcrição do pensamento dos grandes mestres estudiosos do direito falimentar é necessária para que se demonstre a existência de respeitável corrente de pensamento que, em resumo, poder-se-ia definir como centralizada na preocupação de possibilitar a recuperação da sociedade empresária, de tal forma que, havendo sinais de que determinada empresa não estaria caminhando da melhor forma, propiciasse a Lei um modo de intervenção que, logo aos primeiros sinais de crise, aplicasse remédios que pudessem evitar o agravamento da situação. Dessa forma, seria possível tentar sanear sua situação econômica, preservando-se a empresa como organismo vivo, com o que se preservaria a produção, mantendo-se os empregos e, com o giro empresarial voltando à normalidade, propiciando-se o pagamento de todos os credores. Anota Luiz Tzirulnik (p. 47) que, desde os primórdios da história da insolvência, e sem prejuízo do caráter punitivo que permeava o decreto de falência, sempre houve algum tipo de preocupação com a possibilidade de propiciar-se recuperação ao devedor em crise.
Aliás, no campo da recuperação, é exatamente isso o que diz o art. 47 da nova Lei, que merece ser transcrito, como verdadeira declaração de princípios: “A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”. Essa declaração de princípios está de acordo exatamente com a preocupação de todos os mestres cujos pensamentos foram acima lembrados. José Cretella Neto (p. 3) ressalva que, em pleno século XXI, a com a globalização e a integração harmônica de complexos ciclos de produção, a falência deve ser deixada apenas como última alternativa para a empresa em crise. Necessário agora, antes do início do exame da Lei, é tentar verificar se as recomendações foram levadas em conta, se houve efetivamente preocupação com a recuperação da empresa e se os instrumentos criados são hábeis para tal fim. Como adverte corretamente José Marcelo Martins Proença (p. 52), para a correta interpretação desta nova Lei, é de fundamental importância ter sempre à vista os princípios que a norteiam, princípios que são as disposições primeiras que influenciam o entendimento dos artigos como um todo, compondo-lhes o espírito e, ao mesmo tempo, definindo a lógica e a racionalidade do sistema. (in Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 comentada artigo por artigo. 11 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 64-65).
Nos termos do caput do artigo 45 da Lei n. 11.101/2005, nas deliberações a respeito da proposta apresentada pelas recuperandas, deve ser alcançada aprovação em todas as classes de credores referidas no artigo 41, in verbis:
Art. 41. A assembleia-geral será composta pelas seguintes classes de credores:
I – titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidentes de trabalho;
II – titulares de créditos com garantia real;
III – titulares de créditos quirografários, com privilégio especial, com privilégio geral ou subordinados.
IV – titulares de créditos enquadrados como microempresa ou empresa de pequeno porte. (inciso IV acrescido pela LC n. 147, de 7-8-2014)
Já os §§ 1º e 2º do referido artigo 45 estabelecem:
§ 1º. Em cada uma das classes referidas nos incisos II e III do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada por credores que representem mais da metade do valor total dos créditos presentes à assembleia e, cumulativamente, pela maioria simples dos credores presentes.
§ 2º. Na classe prevista nos incisos I e IV do art. 41 desta Lei, a proposta deverá ser aprovada pela maioria simples dos credores presentes, independentemente do valor de seu crédito. (§ 2o com a redação dada pela LC n. 147, de 7-8-2014)
O plano de recuperação obteve aprovação em assembleia na classe dos credores trabalhistas (89,34% disseram SIM – votação por cabeça) e na classe dos credores quirografários (72,92% disseram SIM – votação por crédito); 72,88% do valor total dos créditos presentes, atinentes à classe com garantia real, rejeitaram a proposta (votação por crédito).
O Juízo de 1º grau, assim como esclarecido, decretou a falência das agravantes, com base nos artigos 73, III, e 56, § 4º, da aludida legislação.
Sabe-se que, internamente às tratativas referentes à aprovação do plano de recuperação, muito embora de forma mitigada, aplica-se o princípio da liberdade contratual (autonomia da vontade). São apenas episódicas e pontuais, com motivos bem delineados, os casos que autorizam o Estado intervir na avença levada a efeito entre devedor e credores.
Colhe-se da doutrina de Fábio Ulhoa Coelho:
[…] O procedimento da recuperação judicial, no direito brasileiro, visa criar um ambiente favorável à negociação entre o devedor em crise e seus credores. O ato do procedimento da recuperação judicial em que privilegiadamente se objetiva a ambientação favorável ao acordo é, sem dúvida, a assembleia de credores. Por essa razão, a deliberação assemblear não pode ser alterada ou questionada pelo Judiciário, a não ser em casos excepcionais como a hipótese do art. 58, § 1º, ou a demonstração de abuso de direito de credores em condições formais de rejeitar, sem fundamentos, o plano articulado pelo devedor. (in Comentários à lei de falências e de recuperação de empresas.8 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2011, p. 246/247). (grifou-se)
A primeira hipótese de ingerência judicial na deliberação da assembleia, fundada na própria Lei n. 11.101/2005, está contemplada no seu artigo 58, in verbis:
Art. 58. Cumpridas as exigências desta Lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor nos termos do artigo 55 desta Lei ou tenha sido aprovado pela assembleia-geral de credores na forma do art. 45 desta Lei.
§ 1º O juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do artigo 45 desta Lei, desde que, na mesma assembleia, tenha obtido, de forma cumulativa:
I – o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembleia, independentemente de classes;
II – a aprovação de (duas) das classes de credores nos termos do artigo 45 desta Lei ou, caso haja somente (duas) classes com credores votantes, a aprovação de pelo menos 1 (uma) delas;
III – na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1º e 2º do art. 45 desta Lei.
§ 2º A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.
A interpretação restrita do § 1º do artigo 58 impossibilita, deveras, a aprovação de qualquer plano de recuperação diante de eventual posição individualista de credor único ou majoritário de uma classe com expressivos créditos e com acentuada prioridade para o seu recebimento, como sucede com o de garantia real.
A respeito do resultado prático da opção desses credores, em especial estabelecimentos financeiros, com a intenção de retorno rápido e preferencial do capital investido, Manoel Justino Bezerra Filho adverte:
Embora a Lei seja o resultado do sentimento médio acima referido, evidentemente há determinados setores da população da população que fazem com que suas vozes sejam ouvidas de maneira mais determinante. Foi o que aconteceu na elaboração desta nova Lei de Recuperação e Falências, Projeto de Lei 3.476/1993, que inicialmente preocupou-se seriamente com a recuperação das empresas e que, a partir de determinado momento (em torno dos anos 2000/2001), começou a sentir a pressão de um dos setores mais organizados – e certamente o mais forte – nos dias atuais, ou seja, dos banqueiros nacionais e internacionais, se é que se pode admitir nacionalidade em tais setores. E a Lei, que até aquele momento caminhava no sentido de tentar propiciar condições de recuperação às empresas em dificuldade, passou a se preocupar com a criação de condições para que o capital financeiro investido retornasse rapidamente às origens. Em outras palavras, antes de qualquer preocupação com recuperação da empresa, a Lei se preocupa em “salvar” o dinheiro investido pelo capital financeiro, inviabilizando – ou ao menos tornando bastante problemática – a possibilidade de recuperação. […]
A distorção decorrente de tal previsão legal é tão acentuadamente perigosa, que a prática tem demonstrado que para bancos com créditos garantidos por bens de grande valor, mais interessante pode ser mesmo a falência e não a recuperação. Isto porque se os créditos trabalhistas não forem de grande monta, na falência serão pagos tais créditos laborais e, logo em seguida, o banco receberá seu crédito por efeito da garantia, sem qualquer perigo de preferência fiscal. Já em qualquer execução da garantia em caso de não falência, sempre haverá a preferência do credor fiscal. A propósito, este seria um argumento para não se admitir requerimento de falência por parte de credor com garantia real, a menos que desista da garantia, como aliás constava expressamente da alínea b do inc. III do art. 9º do Dec.-lei 7.661/1945, a lei anterior de falência e concordata. (in Lei de recuperação de empresas e falência: Lei 11.101/2005 comentada artigo por artigo. 11 ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 66-68).
Admite-se, por construção da doutrina e da jurisprudência, o controle judicial da legalidade do voto proferido em assembleia, mediante o exame de abuso de direito do credor.
Nesse sentido, os Enunciados ns. 44 e 45 da I Jornada de Direito Comercial CJF/STJ:
44. A homologação de plano de recuperação judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle de legalidade.
45. O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito.
Assim, o julgador, ao tratar de abuso de direito, inserto no artigo 187 do Código Civil (“Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes”), deve recorrer à regra fundamental inserta no artigo 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Brasileiro:
Art. 5º. Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.
O direito não é absoluto. O seu exercício precisa estar amparado e em harmonia com esses relevantes, essenciais e, por isso, duradouros princípios.
É importante refletir, e examinar, a respeito dos reais motivos do veto do ora agravado ao plano de recuperação apresentado pelas autoras/agravantes. Nesse contexto, não se pode esquecer do propósito da recuperação, que é a superação de empresa viável em estado de crise.
In casu, os argumentos jurídicos apresentados pelo recorrido na assembleia, data venia, foram genéricos no tocante à existência de tratamento desigual a credores da mesma classe (“pagamento parcial antecipado a apenas dois dos três credores da classe II”) e de “inconsistências” nas projeções delineadas no plano, que “não se mostram realizáveis” (fl. 140).
Extrai-se da ata de assembleia geral de credores:
[…] Condições de Pagamento aos Credores com Garantias Reais:
– carência de 20 (vinte) meses para pagamento de principal e de juros;
– correção da dívida pela variação da TR (Taxa Referencial) + 6% a.a. (seis por cento ao ano), a partir do pedido da Recuperação Judicial;
– pagamento em 08 (oito) parcelas anuais e proporcionais a cada Credor a partir do período estabelecido de carência;
– será depositado em uma conta caução (Escrow Account) todo o excedente de caixa apurado trimestralmente, previsto nas projeções financeiras, a fim de garantir o pagamento anual das parcelas aos Credores. (fls. 175/176).
Como se vê, foi despendido tratamento equitativo a todos os credores da classe II (par conditio creditorium), que receberão seus créditos de maneira proporcional, mas em circunstâncias de igualdade.
A projeção de recebimento em cerca de 10 anos (20 meses de carência e, depois, pagamento em 8 parcelas anuais) não pode ser considerada, por si, como registrado no decisum combatido, “bastante prejudicial ao Itaú Unibanco S/A” (fl. 82).
O espírito da recuperação judicial é fixar condições e prazos diferenciados para o pagamento das obrigações, visando a reestruturação da empresa devedora.
Sobre o débito incidirá atualização monetária e juros anuais, a contar do pedido da recuperação judicial, conforme fixado no plano, o que atenua, expressivamente, a perda do seu valor real.
Esse prazo de satisfação da dívida poderia ser inadequado para uma empresa que atua em mercado mais restrito, cuja redução de capital de giro acarretasse preocupação no desenvolvimento de suas atividades.
Essa hipótese não se afigura provável a um estabelecimento financeiro, ainda mais do reconhecido porte do agravado.
Nesse particular, o provimento judicial impugnado registrou que “[…] à míngua de prova em sentido contrário, não se identificou no voto do ITAÚ UNIBANCO S/A interesse externo a motivar sua escolha, mas, unicamente, o seu inerente e natural intento de receber seu crédito da melhor e mais rápida forma possível, conduta que não pode ser punida”.
Com efeito, concessa venia, essa postura não merece mesmo sofrer sanção. Mas o pagamento do crédito de forma diversa da pretendida pelo estabelecimento bancário, mediante a implementação do plano, não constitui punição, mas flexibilização de uma expectativa e de um direito.
A liberação parcial de sua garantia (imóvel hipotecado – matrícula n. 54.524), que também constou em ata como motivo de rejeição do plano, demonstra igualmente o desejo impossível de realizar o seu direito, desconsiderando que parte do valor arrecadado com a venda será utilizada para pagamento antecipado dos credores trabalhistas (fl. 654). Ademais, a perda aqui é só de uma parcela menor da garantia – 17% da área do terreno (e não da totalidade, tampouco do principal). O restante servirá à amortização da sua própria dívida.
O propósito da casa bancária de obter o seu crédito o mais rápido possível, em detrimento da preservação de uma unidade produtora que, a princípio, propicia empregos e estimula a atividade econômica, reflete voto tendencioso e individualista, anotando-se que o recorrido não sustentou que o recebimento do crédito em consonância com o plano poderia acarretar o seu insucesso empresarial.
Na assembleia, a maior parte dos credores aprovou o plano, o que sugere a sua viabilidade, a possibilidade do cumprimento das obrigações nele inseridas e a manutenção de empregos, em número bem menor, é verdade, não se podendo esquecer ou desconsiderar o atual momento de forte e histórica retração do mercado de trabalho e de grave recessão da economia, valendo ressaltar que a preservação da empresa é, ou deveria ser, como já referido, o desiderato da Lei n. 11.101/2005.
Sobre a necessidade de se analisar a conduta do credor em consonância com a função pública do instituto da recuperação, já julgou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:
[…] é de se destacar que a recuperação judicial se trata de um favor creditício, de sorte que deve prevalecer o princípio da relevância do interesse dos credores, ou seja, a vontade majoritária destes no sentido de que o custo individual a ser suportado pelos mesmos é menor do que o benefício social que advirá à coletividade com a aprovação do plano de recuperação, preservando com isso a atividade empresarial […]. (TJRS, Agravo de Instrumento n. 70045411832, de Porto Alegre, rel. Des. Romeu Marques Ribeiro Filho, Quinta Câmara Cível, j. 29.02.2012).
Assim, constatado o abuso de direito por parte do Itaú Unibanco S/A, deve ser afastado o seu voto.
Parte da doutrina entende que o instituto do cram down está delimitado no artigo 58, § 1º, da Lei de Falência e Recuperação.
Na verdade, o aludido dispositivo, como demonstrado, afigura tão somente um quorum alternativo para a aprovação do plano, que desconsidera a regra geral descrita no artigo 45, mas fica adstrito aos limites impostos pelo artigo 58, § 1º.
O verdadeiro craw down, oriundo do direito norte-americano, autoriza o juiz aprovar o plano rejeitado “goela abaixo”, independentemente de fórmula matemática, priorizando a valoração da sua viabilidade econômica de forma justa e equitativa.
Sobre o assunto, explica Fábio Tokars:
A essência de um processo de recuperação judicial é conhecida: um empresário em situação de crise econômico-financeira elabora um plano de recuperação, que será sujeito à análise dos credores. O objetivo da lei também é claro: preservar empresas economicamente viáveis, mas prejudicadas pela insolvência momentânea. Mas este objetivo pode ser frustrado se (entre outras hipóteses) um credor relevante se opuser ao plano de recuperação. Se houver a rejeição, por alguma das três classes de credores (titulares de créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, titulares de crédito com garantia real e titulares dos demais créditos abrangidos na recuperação), a recuperação judicial se transforma em falência, e a empresa será encerrada para que se proceda à sua liquidação.
Para evitar uma oposição injustificada de credor relevante (vale lembrar que o quorum de aprovação não é dos mais simples de ser compreendido: deve-se obter o voto da maioria, por cabeça e por valor de crédito, a não ser na categoria dos credores de obrigações trabalhistas e derivadas de acidente de trabalho, em que a maioria é calculada apenas por cabeça), desenvolveu-se no direito norte-americano o instituto do cram down (em tradução livre: empurrar goela abaixo). Autoriza-se o juiz a aprovar o plano rejeitado por alguma classe de credores, desde que se verifique a viabilidade econômica daquele plano e a necessidade de se tutelar o interesse social vinculado à preservação da empresa. Na contraposição entre o interesse público e o particular, protege-se o que efetivamente deve ser protegido.
No Brasil, a Lei 11.101/2005 aparentemente contém um instituto próximo ao cram down. De acordo com o § 1.º do art. 58, “o juiz poderá conceder a recuperação judicial com base em plano que não obteve aprovação na forma do art. 45 desta Lei, desde que, na mesma assembléia, tenha obtido, de forma cumulativa: I o voto favorável de credores que representem mais da metade do valor de todos os créditos presentes à assembléia, independentemente de classes; II a aprovação de 2 (duas) das classes de credores nos termos do art. 45 desta Lei ou, caso haja somente 2 (duas) classes com credores votantes, a
aprovação de pelo menos 1 (uma) delas; III na classe que o houver rejeitado, o voto favorável de mais de 1/3 (um terço) dos credores, computados na forma dos §§ 1.º e 2.º do art. 45 desta Lei.” A regra é complementada pelo § 2.º: “A recuperação judicial somente poderá ser concedida com base no § 1.º deste artigo se o plano não implicar tratamento diferenciado entre os credores da classe que o houver rejeitado.”
Muito se elogiou o espírito do legislador, que teria atentado mais uma vez para a preponderância do interesse social. Mas a louvação dos textos teóricos não encontra qualquer reflexo na prática. E não é por acaso. A ideia deveria ser simples: quando não se obtém a aprovação, o juiz deveria poder forçar a aplicação do plano, desde que estivesse clara a necessidade de tutelar o interesse social, de alguma forma prejudicado pela vontade de um ou alguns dos credores. Contudo, as limitações impostas pela lei, além de nos forçar a rememorar as lições de matemática, praticamente inviabilizam a aplicação do instituto. A decisão que se sobrepõe à reprovação do plano não se funda no interesse social, mas sim na verificação de uma espécie de quorum alternativo de deliberação. E um quorum alternativo que está muito próximo ao necessário para a aprovação. Afinal, é necessário que, cumulativamente: a) tenha ocorrido a aprovação geral (não mais por classes) da maioria dos credores (maioria calculada agora pelo valor dos créditos); b) a rejeição tenha ocorrido apenas em uma das classes; c) na classe em que houve a rejeição, deve ter ocorrido a aprovação de mais de um terço dos credores; e d) não haja tratamento diferenciado entre a classe dos credores que rejeitaram o plano e a dos demais credores. Quando se consegue verificar esta conjugação de fatores? Quase nunca. Tudo somado, subtraído, multiplicado e dividido, cria-se um belo problema de matemática para a quinta série. Mas, no plano jurídico, a proteção do interesse social por meio do cram down não passa de retórica legislativa. (extraído do site: http://por-leitores.jusbrasil.com.br/noticias/2508142/as-limitacoes-de-aplicacao-do-cram-down-nas-recuperacoes-judiciais-brasileiras). (grifou-se)
.Assim, seja pelo abuso de direito de voto do credor agravado, ora reconhecido, seja pela adoção do espírito do craw down na sua vertente originária norte-americana, pode o magistrado, mediante interpretação sistemática das regras positivadas e dos princípios norteadores da recuperação judicial, concedê-la contra decisão assemblear.
Aplicáveis à espécie:
1) TJSP, Agravo de Instrumento n. 2089041-22.2015.8.26.0000, de Ribeirão Preto, rel. Des. Ricardo Negrão, Segunda Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 02.12.2015:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – Recuperação Judicial – Cram down – Inobservância do quórum em razão do voto contrário de um credor, detentor da maior parte dos créditos sujeitos ao concurso na classe quirografária – Decisão de concessão pautada na abusividade do voto de rejeição – Admissibilidade – Ausência de tratamento diferenciado entre os credores, ilegalidade ou afronta ao sistema de validade dos negócios jurídicos que justifique o pedido de quebra – Decisão de concessão da recuperação judicial mantida – Recurso não provido.
2) TJSP, Agravo de Instrumento n. 2050098-67.2014.8.26.0000, de São José dos Campos, rel. Des. Ramon Mateo Júnior, Segunda Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 16.03.2015:
Agravo de Instrumento. Plano de Recuperação Judicial – Cram Down – O Magistrado está excepcionalmente autorizado a relativizar os requisitos e conceder a recuperação judicial, quando a maioria dos credores sinaliza nesse sentido – Princípio da preservação da empresa que se sobressai aos interesses econômicos das instituições financeiras Garantia da manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, sua função social e o estímulo à atividade econômica Agravo Desprovido. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. Pedido de convolação em falência, em virtude da rejeição do plano de recuperação pela maioria qualitativa dos credores quirografários, única classe de credores quirografários a deliberar. Cinco credores financeiros que se opuseram ao plano, em detrimento de outros quinze credores que o aprovaram. Descumprimento do quórum supletivo (cram down) previsto no art. 58, § 1º, da Lei nº 11.101/2005. Moderno entendimento dos tribunais no sentido de que cabe ao juiz intervir em situações excepcionais, quer para anular, quer para deferir planos de recuperação judicial. Ausente qualquer justificativa objetiva para rejeição do plano de recuperação, com a ressalva de que os créditos financeiros são dotados de garantias pessoais dos sócios, que se encontram executados em vias próprias. Concordância do Administrador Judicial e dos representantes do Ministério Público em ambas as instancias com a homologação do plano. Constatação de que os credores que rejeitaram o plano agiram em abuso de direito, na forma do artigo 187 do Código Civil. Rejeição de caráter ilícito, devendo prevalecer o princípio da preservação da empresa. Decisão mantida. Recurso não provido.
3) TJSP, Agravo de Instrumento n. 2044822-55.2014.8.26.0000, de Campinas, rel. Des. Enio Zuliani, Primeira Câmara Reservada de Direito Empresarial, j. 03.07.2014:
AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – Plano de recuperação homologado com base na teoria do Direito Anglo Saxônico denominada cram down, tendo em vista que a classe que rejeitou o plano era composta de um único credor, no caso, o Banco do Brasil. Admissibilidade – Submissão deste credor com garantia real ao plano, consequência natural da decisão em questão, com o pagamento da dívida na forma como aprovado pela AGC. […] Não provimento.
4) TJSC, Agravo de Instrumento n. 2012.011858-6, de Brusque, rel. Des. Paulo Roberto Camargo Costa, Terceira Câmara de Direito Comercial, j. 18.04.2013:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL CONVOLADA EM FALÊNCIA. DECISÃO AGRAVADA QUE, CONSIDERANDO VÁLIDOS OS VOTOS DOS CREDORES COM GARANTIA REAL, REJEITOU O PLANO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL E CONVOLOU O PEDIDO EM FALÊNCIA. IMPOSSIBILIDADE. […]
IV – A renitente insistência de credora com garantia real, em ver decretada a falência do devedor repercute como utilização do procedimento de execução coletiva como sucedâneo de cobrança individual, procedimento que deve ser repelido, “ainda que detenha título executivo protestado e tenha esgotado todos os meios suasórios para ver implementado seu crédito” (TJSC, Apelação Cível n. 00.023461-3, de Criciúma, Rel. Des. Trindade dos Santos).
Isso porque, esse posicionamento revela-se desarrazoado, pois leva ao prejuízo credores que não têm seus créditos protegidos, e cria condições de lançar a empresa, e seus empregados, às nefastas conseqüências da falência, proceder, portanto, que se afasta totalmente da noção de razoabilidade, o que leva a não se proceder a análise do fato concreto tão só “sob o prisma do direito intertemporal mera e simplesmente, mas pela ótica da nova ordem constitucional”, que, pelos arts. 170, I, e 174, “consagra a proteção à preservação da empresa por duas razões basilares: (i) é meio de preservação da sua função social, ou seja, do papel sócio-econômico que ela desempenha junto à sociedade em termos de fonte de riquezas e como ente promovedor de empregos. Assim, o princípio da preservação da empresa cumpre a norma maior, refletindo, por conseguinte, a vontade do poder constituinte originário” (STJ, REsp 1023172/SP, Relator Ministro Luis Felipe Salomão).
V – No exame do plano de recuperação judicial o Juiz deve fazer prevalecer o interesse público sobre o interesse individual dos credores, tendo sempre presente o princípio básico da Lei de Recuperação de Empresas e Falência, e seu escopo, que é a preservação da empresa, especialmente diante dos interesses que giram em torno dela, pelo que é de ser reiteradamente repisado, se necessário à exaustão, o contido no art. 47 da Lei n. 11.101/2005.
Norteado de que, como destacado pela Doutrina de Rachel Sztajn, a “função social da empresa presente na redação do artigo, indica, ainda, visão atual referentemente à organização empresarial, cuja existência está estribada na atuação responsável no domínio econômico, não para cumprir as obrigações típicas do Estado nem substituí-lo, mas sim no sentido de que, socialmente, sua existência deve ser balizada pela criação de postos de trabalho, respeito ao meio-ambiente e à coletividade e, nesse sentido é que se busca preservá-la. Ao se referir a estímulo à atividade econômica, está implícito o reconhecimento de que a empresa é uma das fontes geradoras de bem-estar social e que, na cadeia produtiva, o desaparecimento de qualquer dos elos pode afetar a oferta de bens e serviços, assim como a de empregos, por conta do efeito multiplicador da economia”.
5) TJRS, Agravo de Instrumento n. 70048398374, de Venâcio Aires, rel. Desa. Isabel Dias Almeida, Quinta Câmara Cível, j. 27.06.2012:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONCESSÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL. “CRAM DOWN”. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA.
Decisão que tem por finalidade assegurar a possibilidade de superação da situação de crise econômico-financeira da agravada, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Manutenção da decisão recorrida.
NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO.
6) TJRS, Agravo de Instrumento n. 70045411832, de Porto Alegre, rel. Des. Romeu Marques Ribeiro Filho, Quinta Câmara Cível, j. 29.02.2012:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PLANO APROVADO POR DUAS CLASSES DE CREDORES. APLICAÇÃO DO INSTITUTO DO CRAM DOWN. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. AGRAVO DE INSTRUMENTO DESPROVIDO.
No entanto, a simples desconsideração do voto abusivo – o que, em tese, tornaria possível a homologação do plano com base no artigo 58, § 1º, da legislação em comento, já que o outro requisito descrito do § 2º (par conditio creditorium) também foi cumprido, como acima analisado – não exime o Poder Judiciário de aferir a viabilidade de subsistência das empresas no mercado.
A propósito, leciona Fábio Ulhoa Coelho:
[?] Em outros termos, somente as empresas viáveis devem ser objeto de recuperação judicial ou extrajudicial. Para que se justifique o sacrifício da sociedade brasileira presente, em maior ou menor extensão, em qualquer recuperação de empresa não derivada de solução de mercado, a sociedade empresária que a postula deve mostrar-se digna do benefício. Deve mostrar, em outras palavras, que tem condições de devolver à sociedade brasileira, se e quando recuperada, pelo menos em parte o sacrifício feito para salvá-la. Essas condições agrupam-se no conceito de viabilidade da empresa, a ser aferida no decorrer do processo de recuperação judicial ou na homologação da recuperação extrajudicial.
O exame da viabilidade deve ser feito, pelo Judiciário, em função de vetores como os seguintes:
a) Importância social. A viabilidade da empresa a recuperar não é questão meramente técnica, que possa ser resolvida apenas pelos economistas e administradores da empresa. Quer dizer, o exame da viabilidade deve compatibilizar necessariamente dois aspectos da questão: não pode ignorar nem as condições econômicas a partir das quais é possível programar-se o reerguimento do negócio, nem a relevância que a empresa tem para a economia local, regional ou nacional. Assim, para merecer a recuperação judicial, a sociedade empresária deve reunir dois atributos: ter potencial econômico para reerguer-se e importância social. [?].
b) Mão de obra e tecnologia empregadas. No atual estágio de evolução das empresas, por vezes esses vetores se excluem, por vezes se complementam. Em algumas indústrias, quanto mais moderna a tecnologia empregada, menor a quantidade de empregados e maior a qualificação que deles se exige. […] a recuperação da empresa tecnologicamente atrasada depende de modernização, que implica o fim de postos de trabalho e desemprego; mas se não for substituída a tecnologia em atenção aos interesses dos empregados, ela não se reorganiza.
c) Volume do ativo e passivo. O exame da viabilidade da empresa em crise começa pela definição da natureza desta. Se a crise da empresa é exclusivamente econômica, as medidas a adotar dizem respeito à produção ou ao marketing. Se financeira, pode exigir a reestruturação do capital ou corte de custos. […].
d) Idade da empresa. Na aferição da viabilidade da empresa, deve-se levar em conta há quanto tempo ela existe e está funcionando. Novos negócios, de pouco mais de dois anos, por exemplo, não devem ser tratados da mesma forma que os antigos, de décadas de reiteradas contribuições para a economia local, regional ou nacional. Isso não quer dizer, ressalto, que apenas as empresas constituídas há muito tempo podem ser objeto de recuperação judicial. Pelo contrário, novas ou velhas, qualquer empresa viável que atenda aos pressupostos da Lei pode ser recuperada. O maior ou menor tempo de constituição e funcionamento, porém, influi no peso a ser concedido aos demais vetores relevantes. […].
e) Porte econômico. Por fim, o exame de viabilidade deve tratar do porte econômico da empresa a recuperar. Evidentemente, não se há de tratar igualmente as empresas desprezando o seu porte. As medidas de reorganização recomendadas para uma grande rede de supermercados certamente não podem ser exigidas de um lojista microempresário. Por outro lado, quanto menor o porte da empresa, menos importância social terá, por ser mais fácil sua substituição. (in Curso de direito comercial: direito de empresa. Vol. III, 16 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2015, p. 397/399)
Como a empresa MH Administração e Participações Ltda. é, na verdade, uma holding, a análise da viabilidade será realizada em cima da empresa Duque.
A recuperanda é uma S/A, com sede em Joinville, maior e mais industrializada cidade do Estado de Santa Catarina. Possui como objeto a fabricação e comercialização de artefatos metais, especialmente peças e acessórios para bicicletas, motocicletas, linha automotiva, de refrigeradores e aparelhos eletrodomésticos, além de importar e exportar os seus produtos e participar/investir em outras empresas nacionais ou estrangeiras de qualquer ramo legalmente permitido.
A crise que enfrenta é tanto econômica quanto financeira, o que exige a adoção de estratégias de produção e de reestruturação. O seu potencial para reerguimento do negócio, está bem descrito no plano de recuperação judicial, com meta de profissionalização da empresa, condições palpáveis de pagamento das dívidas concursais e extraconcursais, venda de parte do imóvel dado em garantia – matriculado sob o n. 54.524, sob o qual existe galpão industrial de 10.368 m2, avaliado em R$ 16.700.000,00 – e utilização de 70% do valor arrecadado para pagamento antecipado dos credores trabalhistas (fls. 173/177 e 584/585).
O fato de a empresa Duque ter reduzido drasticamente o seu quadro de funcionários, de 2000 no momento do pedido de recuperação para 103 atualmente, como informou o banco recorrido (fl. 379), faz parte justamente do contingenciamento que necessita para se reerguer. Ademais, como demonstrado nas informações prestadas em 09.10.2015 pelo administrador judicial, trazidas pelo próprio agravado, a recuperanda, ao longo de 2015, manteve seus trabalhadores e, no mês de setembro, contratou mais 27 empregados, estando com “força de trabalho em atividade” e “adimplente com a folha de pagamento e fornecedores vencidos até aquela data, à exceção dos encargos sociais e impostos” (fl. 383).
Os débitos tributários e trabalhistas realmente chegam em torno de R$ 47.731.209,08 (declaração de balanço provisório), mas se referem ao período de janeiro a dezembro de 2014, antes, portanto, da votação em assembleia pela aprovação do plano que visa liquidar as obrigações e superar o período de dificuldade.
Por outro lado, o relatório de faturamento bruto apresentado também em 09.10.2015 pelo administrador judicial demonstra que a empresa não deixou de lucrar em 2015 e, nos meses de agosto e setembro, teve um significativo aumento, chegando, neste último mês a R$ 1.521.183,90 (fl. 387).
A sua importância social, não só para a economia regional como também para a nacional, bem como a sua qualificação tecnológica e expertise na área, ficou bem demonstrada na Declaração emitida pela Electrolux, forte empresa adquirente dos produtos das recuperandas, além de credora também com garantia real, com 23% dos créditos da classe II (equivalentes a R$ 8.168.578,90):
[…] 2. A relação comercial entre a ELECTROLUX e a DUQUE vigora há mais de 08 (oito) anos, sendo a DUQUE um fornecedor altamente qualificado e competitivo no mercado de aramados (“itens”), os quais são empregados no processo produtivo de refrigeradores, freezers e fogões.
3. Quanto aos itens adquiridos pela ELECTROLUX, pode-se afirmar que a DUQUE possui know-how, tecnologia e equipamentos capazes de garantir elevada qualidade dos itens, sendo um fornecedor essencial para o mercado. No segmento de trempes, por exemplo, além da DUQUE existe apenas mais 01 (um) fornecedor nacional qualificado, conforme parâmetros da ELECTROLUX, para o fornecimento desse item.
4. Com o propósito de favorecer a recuperação financeira da DUQUE, bem como a manutenção de uma pluralidade mínima de fornecedores com preços competitivos no mercado, a ELECTROLUX e a DUQUE celebram novo Contrato de Fornecimento em 06 de outubro de 2014 (“Contrato”). Este, em consonância com o plano de recuperação judicial, tem por objeto a compra e venda de itens durante o período no qual o referido plano está pendente de aprovação.
5. Constatou-se que o método para captação de recursos proposto pela DUQUE no Contrato é bastante razoável, sendo este um fator chave para retomada da produção e, consequentemente, viabilidade da recuperação da DUQUE. Em síntese: a captação de recursos ocorre por meio da cessão de parte dos créditos derivados do fornecimento dos Itens à ELECTROLUX, originados a partir da assinatura do Contrato, à FERRAL METALÚRGICA LTDA. (“FERRAL”) – para compra de aço (matéria-prima direta) – e à TAIPA SECURITIZADORA S.A. (“TAIPA”) – para compra de outros insumos. É válido esclarecer que as negociações realizadas pela DUQUE com a TAIPA e a FERRAL ocorreram sem interferência e/ou ingerência da ELECTROLUX.
[?] 7. Conforme demonstrado por meio da assinatura do Contrato e com base em outras ações propostas no plano de recuperação judicial, acredita-se na retomada da produção e viabilidade da recuperação da DUQUE, possibilitando o atendimento de volume de itens demandados pela ELECTROLUX e outros clientes dentro dos parâmetros de qualidade exigidos.
8. Com relação à qualificação dos Itens, é válido destacar que colaboradores da ELECTROLUX, seguindo diversos procedimentos internos para homologação de fornecedores, realizaram testes nos Itens produzidos e auditorias na planta da DUQUE ao final do ano passado. Os resultados foram muito satisfatórios, reforçando a expertise da DUQUE com relação a produção dos Itens e a importância de sua recuperação para o mercado.
9. Ademais, com o objetivo de favorecer a formação de caixa da DUQUE, a ELECTROLUX excepcionalmente concordou em realizar os pagamentos derivados do Contrato no prazo de 07 (sete) dias, contados da entrega dos Itens.
10. Desde o início da relação comercial entre as partes e até o presente momento, inclusive após a retomada da produção da DUQUE, esta atende pontualmente todos os prazos e requisitos de qualidade. […].
12. Ademais, com relação ao fornecimento nos meses que sucedem a presente declaração, anexa-se previsão (forecast) de quantidade de Itens a ser adquirido pela ELECTROLUX (“Anexo I”). Vale destacar que neste aspecto a aprovação do plano de recuperação judicial possui extrema relevância para a ELECTROLUX, uma vez que o referido plano prevê benefícios para clientes parceiros e, mantida a qualidade dos Itens, contribuirá diretamente para o aumento do volume adquirido. Adicionalmente, a aprovação do plano também será favorável à inclusão de novos itens.
13. Por fim, apresenta-se os seguintes comentários com relação aos aspectos financeiros apresentados pela DUQUE no plano de recuperação judicial (tais como: evolução dos indicadores, aos balanços e ao DRE projetados de 2014 a 2025):
13.1. Com a retomada da produção da DUQUE, somada ao fornecimento contratado com a ELECTROLUX e a informação de que aquela está próxima de fornecer para outros 02 (dois) clientes, conclui-se haverá aumento significativo na receita bruta da DUQUE. Este seria suficiente para que esta volte a operar com Patrimônio Líquido positivo em 04 (quatro) anos, sendo que as alternativas apontam que em 03 (três) anos a DUQUE já apresentaria lucro em seu resultado final. […] (fls. 761/767).
A Metalúrgica Duque S/A existe desde 22.09.1955 e possui capital social de R$ 45.000.000,00 (quarenta e cinco milhões), conforme Estatuto Social de 20.04.2011 (fls. 29/34), não havendo dúvidas acerca do seu porte econômico e de reiteradas contribuições, por décadas, como fonte geradora de bens, serviços, empregos e bem-estar social em geral.
Esses elementos sugerem que o Grupo Duque possui condições de prosperar e de se reerguer no mercado, revelando-se, data venia, precipitada a decretação de sua falência.
Diante desse cenário deve prevalecer a função social da empresa em detrimento do interesse de um único credor.
Ressalte-se que, a qualquer momento durante o processo de recuperação judicial, pode haver a convolação em falência por descumprimento de qualquer dever assumido no plano ou, ainda, por deliberação da assembleia-geral de credores, na hipótese de não lhes ser mais conveniente e adequada a manutenção da proposta, em razão de alguma conduta realizada pela parte devedora, desde que alcançado o quorum legalmente previsto no art. 42 da Lei n. 11.101/2005, afastado, é claro, o abuso de direito de voto.
Essa previsão, inserta no artigo 73 da aludida lei, reflete a precariedade do processo de recuperação judicial que, diante de motivos supervenientes que demonstrem o não cumprimento do seu fim social, admitem o reconhecimento judicial da insolvência empresarial, para, enfim, preservar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos da empresa.
Por fim, anote-se que não se desconhece notícias de suposta gestão temerária (processo administrativo em trâmite na Comissão de Valores Mobiliários – CD juntado à fl. 285). Esse fato, no entanto, ainda está sendo apurado e não existem notícias de denúncia de crime patrimonial, contra a economia popular ou contra a ordem econômica.
Assim, essas informações não podem ser utilizadas por este Tribunal, pois, além de não terem sido analisadas na decisão ora impugnada, deve prevalecer o princípio da presunção de inocência.
No entanto, ainda que durante o procedimento de recuperação judicial seja mantida a gerência na condução da atividade empresarial, a qualquer momento, verificada a ocorrência da prática de um dos atos vedados arrolados nos incisos I a VI do artigo 64 da Lei, nos quais se incluem indícios veementes do cometimento de crime falimentar, o juiz destituirá os administradores da sociedade e nomeará gestor judicial (artigos 64, parágrafo único, e 65).
Destarte, as atividades realizadas pelas recuperandas devem ser diligentemente acompanhadas pelo administrador nomeado pelo Juízo singular e pelo Ministério Público, a fim de que os objetivos perseguidos pelo instituto sejam fielmente alcançados.
Face todo o exposto, a Câmara decidiu dar provimento ao recurso, para, reconhecendo o abuso de direito de voto do banco agravado, conceder a recuperação judicial das empresas agravantes, de acordo com os fundamentos acima expostos, devendo o Juízo a quo determinar as consequentes providências oriundas deste decisum.
Esse é o voto.

10/03/2016

Fonte: www.leidefalencias.com.br